O período compreendido entre as duas grandes guerras foi marcado por verdadeiros heróis, homens de “barba rija” que ao volante conseguiram feitos notáveis. Homens arrojados que domavam automóveis extremamente potentes que atingiam grandes velocidades, mas tinham poucas condições de segurança. São dessa época nomes como os do francês Jean-Pierre Wimille, dos alemães Bernd Rosemeyer e Rudolf Caracciola e dos italianos Achille Varzi e Tazio Nuvolari.É deste último que começa a história que se segue.
Tazio Giorgio Nuvolari nasceu a 16 de Novembro de 1892 em Castel d’Ario, próximo de Mântua, na Lombardia. Era o quarto filho do fazendeiro Arturo Nuvolari e de Elisa Zorzi. Na infância, não mostrava grande dedicação e interesse nos estudos, preferindo o desporto. Admirava e tentava imitar o seu tio Giuseppe, um campeão de ciclismo que chegou a ter bons resultados com motociclos. Aos 13 anos, em 1904, assistiu pela primeira vez a uma corrida de automóveis no Circuito de Bréscia, que o impressionou bastante pela velocidade e pelo talento dos pilotos.
Foi também nessa época que Giuseppe ensinou-lhe a pilotar uma moto. Com 23 anos obteve a habilitação para conduzir motos. Mas pouco depois veio a Primeira Guerra Mundial e o jovem foi colocado como condutor do Exército. Certo dia, enquanto conduzia em serviço, saiu da estrada e ouviu do oficial que o acompanhava: “Esqueça a condução. Você não serve para isto”. Esse oficial não poderia estar mais errado.
Em Novembro de 1917 Tazio casou-se com Carolina Perina e, já em Setembro do mesmo ano, nascia o primeiro filho do casal, Giorgio. As pistas de competição não saíam de seus objectivos e, em Junho de 1920, ele participou na primeira prova com uma moto, no Circuito Internazionale Motoristico, em Cremona, no qual não conseguiu terminar.
Em Março do ano seguinte surgiu a primeira corrida com um automóvel: ao volante de um Ansaldo, conseguiu obter o 3º lugar na Coppa Veronese di Regolarità. Em 1922 participou em três corridas de motos e uma de automóveis, no Circuito del Garda, onde foi 2º.
A sua carreira profissional nas pistas começou em 1923, aos 31 anos, mas Nuvolari ainda conseguiu melhores resultados em duas rodas que em quatro, tendo corrido com automóveis da marca Diatto e Chiribiri.
Um cenário que mudou um ano depois, com a vitória no Circuito Golfo del Tigullio, pilotando um Bianchi com motor de 2,0 litros. Noutra prova, no Circuito del Savio, ele conheceu outro jovem promissor, Enzo Ferrari.
Apesar de manter as motos como sua prioridade, onde brilhou com a sua Bianchi 350, a “Freccia Celeste” ou flecha azul-celeste, Nuvolari nunca se afastou dos automóveis de competição.
Em 1925 pilotou um Alfa Romeo P2 e exibiu todo o seu talento, conseguindo realizar cinco voltas mais rápidas que Giuseppe Campari e Attilio Marinoni e quase tão veloz quanto o recorde de Antonio Ascari do ano anterior.
Poderia até ter assumido o lugar de Ascari na equipa Alfa Romeo, mas não foi aceite pelo director Vittorio Jano. No ano seguinte Tazio sofreu três acidentes graves, a ponto de um jornal alemão ter anunciado sua morte.
A sua primeira corrida Mille Miglia (prova italiana com 1.600 quilómetros de extensão) foi disputada em 1927. No ano seguinte Nuvolari acabaria por escolher os automóveis como a sua grande prioridade e criou sua equipa de competição, a Scuderia Nuvolari, com dois Bugatti.
A primeira vitória internacional aconteceu logo na estreia, em Março de 1928, no GP de Trípoli. Venceu também no Circuito del Pozzo em Verona e no Circuito di Alessandria. No ano seguinte as coisas foram muito mais difíceis, uma vez que terminou a parceria que mantinha com Achille Varzi. Melhores noticias, porém, só aconteceram em 1930, quando Jano o contratou para correr com o 6C 1750. Na quarta prova da Mille Miglia, a vitória surgiu com um tempo recorde e uma média de velocidade acima de 100 km/h. Nessa notável corrida, Varzi estava na liderança, mas Tazio pilotou com extrema ousadia e quando estava perto de alcançar o rival, apagou os faróis para se aproximar (sem ser visto) e ultrapassou-o.
Nuvolari também participou em subidas de montanha e deu a primeira vitória à recém-nascida Scuderia Ferrari. Outros êxitos obtidos foram nas provas: Cuneo-Colle della Maddalena, na Vittorio Veneto-Cansiglio e na Tourist Trophy disputada perto de Belfast, na Irlanda. No mesmo ano encerrou a sua brilhante carreira como motociclista.
Das 20 provas disputadas em 1931,venceu sete, incluindo a Targa Florio, o Grande Prémio de Itália e a Coppa Ciano. A Scuderia Nuvolari corria quase sempre com automóveis Alfa Romeo: 6C 1500 SS, 8C 2300 e o monoposto Tipo A.
Mas não foi a única marca com que Tazio também competiu, pois também pilotou um Bugatti 35C. No ano seguinte foram sete vitórias em 16 corridas, como o Grande Prémio do Mónaco e mais uma Targa Florio. Também alcançou ainda o primeiro lugar da sua categoria em cinco provas e fez a volta mais rápida em nove. Concluiu o ano de 1932 como campeão italiano e internacional.
De um poeta de seu nome Gabriele D’Annunzio, Nuvolari recebeu uma pequena tartaruga dourada, que o piloto passou a tratar como um símbolo, estampado na roupa amarela que usava nas competições e aplicado à lateral do avião que adquiriu anos depois.
O êxito nas pistas continuou em 1933, com a conquista de 11 vitórias, entre as quais na prova Mille Miglia, nas 24 Horas de Le Mans e nos Grandes Prémios da Tunísia e de Nimes. No Mónaco perdeu para o grande rival Varzi, mas não foi abaixo sem dar luta, como era típico de Nuvolari. A história dessa corrida, é que depois de muitas trocas de posição entre os dois primeiros, o motor do Alfa Romeo pegou fogo. Tazio ainda empurrou o carro em chamas até aos 200 metros da linha de chegada, quando caiu, exausto, e posteriormente foi desqualificado.
Esse foi o ano da quebra de contrato com a Scuderia Ferrari, pois Nuvolari acreditava que conseguia arranjar melhores automóveis e mais dinheiro numa carreira a solo. Com um Maserati 8CM, venceu na Bélgica, no Grande Prémio de Nice e na Coppa Ciano, mas em San Sebastian (Espanha) sofreu um violento acidente. Pilotou também os Alfas 8C 2300 e 2600 e, na prova Tourist Trophy, com um MG Magnette K3.
Em 1934 a temporada não foi fácil para ele, os novos regulamentos dos Grande Prémios levaram a Mercedes-Benz e a Auto Union a estrearem-se no campeonato, com seus muito competitivos e velozes “flechas de prata”, e a equipa particular de Nuvolari não conseguiu competir com esses gigantes. Além disso, em Abril, Nuvolari sofreu o seu maior acidente em prova, no Circuito Bordino, na Alexandria (Itália). Apesar disso, depois de um mês em recobro, estava de volta para o Avusrennen, na Alemanha, em que obteve o quinto lugar com um automóvel adaptado para que o pé esquerdo operasse os três pedais. O ano terminou com nove abandonos de provas em 23 disputadas, porém nesse ano venceu em Módena e Nápoles.
Como não conseguia derrotar os automóveis alemães, Nuvolari decidiu entrar em negociações com a Auto Union. Chegou mesmo a testar o “flecha” Tipo A dos alemães em duas oportunidades, em San Sebastian e em Berna, mas encontrou oposição de outros pilotos da equipa e o negócio terminou por ali. A Auto Union preferiu contratar um grande rival seu, Achille Varzi. Então, Tazio sem alternativa, voltou-se de novo para Enzo Ferrari e em 1935 voltou a correr por sua equipa. Com o Alfa Romeo P3, venceu em Pau (na França), Bérgamo, Biella e Turim.
Um dos inúmeros feitos notáveis de Nuvolari, foi a conquista de uma vitória que parecia impossível no Grande Prémio da Alemanha, em Nürburgring. Com um obsoleto e pouco potente Alfa P3 com motor de 3,2 litros e 265 cv, superou os cinco Mercedes de 4,0 litros e 375 cv e os quatro Tipos B da Auto Union, com a mesma potência do Mercedes mas com motores de 5,0 litros e 16 cilindros.
Pouco tempo depois de se estrear com o monolugar Alfa Romeo 8C-35 com o qual venceu a prova Circuito di Modena, Nuvolari sofreu outro grande acidente em maio de 1936 no Grande Prémio de Trípoli. Mesmo com lesões, muitas dores e a recomendação médica para parar por um mês, Nuvolari regressou logo no dia seguinte e alcançou o 8º lugar. Naquele ano superou os “flechas de prata” em Barcelona, Budapeste e Milão. Com seu Alfa Romeo 12C venceu também na América do Norte, na Vanderbilt Cup, em Long Island, Nova Iorque. Já no ano posterior a este foi um ano sem conquistas de relevo, com o domínio das equipas alemãs e, para Nuvolari, talvez o facto mais dramático, foi a dor, da morte do seu filho Giorgio, que tinha apenas 18 anos.
O piloto venceu apenas uma prova, o Grande Prémio de Milão, e sofreu outro acidente. O seu Alfa Romeo 12C-36 de 370 cavalos não conseguiu ser competitivo diante dos bólides alemães. O Auto Union Tipo C de 6,0 litros tinha 520 cavalos de potência e o Mercedes W125 de 5,6 litros conseguia ainda mais, nada mais nada menos que 646 cavalos de potência.
Na temporada de 1938, novas regras abriam a classe de 3,0 litros para os Grandes Prémios, se os motores tivessem sobrealimentação, e fixava o limite de 4,5 litros para os motores atmosféricos.
Enquanto a Alfa Romeo apresentava o novo modelo 308 com oito cilindros, 3,0 litros, compressor e 295 cavalos, a Mercedes lançava o W154 com 12 cilindros, 3,0 litros, compressor e 468 cv, capaz de chegar aos 300 km/h, o que era uma vantagem de 40 km/h sobre o monolugar italiano. Durante os treinos para o Grande Prémio de Pau, o carro de Nuvolari incendiou-se e o piloto teve queimaduras no rosto, nos braços e nas pernas. Chegou seriamente a pensar em abandonar as pistas, mas decidiu continuar. Depois viajou para os EUA, onde testou em Indianápolis dois novos monolugares.
Quando regressou à Europa, assinou um novo contrato com a Auto Union, que procurava um substituto para o alemão Bernd Rosemeyer, que tinha falecido numa tentativa de bater um recorde de velocidade na auto-estrada que ligava Frankfurt a Darmstadt.
O italiano testou o Tipo D de motor central, com que ele viria a obter as primeiras vitórias nos Grandes Prémios de Monza e de Donington Park. Mas a eclosão da Segunda Guerra Mundial abreviou o campeonato, que teve a última prova no dia 3 de Setembro de 1939 em Belgrado, onde se viu a derradeira vitória de Nuvolari na Auto Union.
O conflito terminou em 1945 e, no ano seguinte, o piloto passou novamente por mais uma tragédia pessoal: a morte do segundo filho, também com 18 anos. Apesar de mais uma tragédia na sua vida familiar, encontrou forças para continuar a pilotar.
Na Coppa Brezzi, em Turim, liderava com um Cisitalia D46 quando o volante se soltou da coluna de direcção. Após passar pela área dos boxes acenando com o volante nas mãos, Nuvolari deu mais uma volta usando apenas a coluna de direcção até parar para arranjar a caricata “avaria”. Ainda conseguiu alcançar o 13º posto, e saiu desta prova com a popularidade mundial em alta depois daquele insólito episódio.
Em 1946 participou em 19 provas, com vários automóveis. Pilotou um Maserati, um Cisitalia e um Fiat, e venceu três provas, e a sua última vitória internacional foi em Albi, na França. No ano seguinte correu apenas seis vezes, vencendo o Circuito di Parma.
Já com 55 anos, inscreveu-se na famosa prova Mille Miglia, com um Cisitalia 202 Spyder, o que muitos entenderam como uma loucura. Mas mostrou que velhos eram os trapos, e exibiu o dinamismo de um jovem. Poderia ter vencido a prova se a chuva torrencial não o fizesse atingir uma grande poça de água, fazendo-o perder tempo precioso, e desta forma abriu caminho para o Alfa Romeo de Clemente Biondetti vencer a corrida.
Em 1948 Tazio não conseguiu alcançar bons resultados nas cinco provas em que participou no ano de 1948. Mas uma houve em que esteve entre as mais memoráveis de sua carreira. Na 15ª Mille Miglia o seu Cisitalia avariou durante os testes e não houve tempo para repara-lo. Isto fazia com que estivesse praticamente de fora da corrida. Porém na véspera Enzo Ferrari ofereceu-lhe um Ferrari 166S. Nuvolari aceitou e, sem qualquer teste prévio deu um espectáculo de condução aos muitos espectadores presentes.
Durante a corrida em Pescara já estava na liderança, em Roma já tinha 12 minutos de avanço, em Livorno 20 minutos, em Florença 30. Contudo, o monolugar não foi suficientemente fiável, e as peças que o compunham desprendiam-se, revelando várias fraquezas. Peças que soltaram, como o capô, um guarda-lamas, os parafusos do
banco e só terminam quando as molas da suspensão se soltaram e deitaram por terra as hipóteses de Nuvolari terminar triunfante.
Em 1949 apenas guiou uma volta para entregar o Maserati A6GCS a Piero Carini. Tazio disputou poucas provas no ano seguinte.
No Giro di Sicilia/Targa Florio, a caixa de velocidades cedeu-se logo no começo da prova. Mas na subida da montanha de Palermo-Montepellegrino foi o primeiro na sua classe, com um Cisitalia 204 preparado por Carlo Abarth.
Nuvolari nunca anunciou que deixaria de pilotar, mas essa foi mesmo a sua última vitória e também a derradeira prova que conquistou.
Nuvolari tornou-se conhecido como “mantovano volante”. Sobre ele, Enzo Ferrari disse: “Ninguém concilia como ele uma incrível sensibilidade sobre o carro e uma coragem não humana”. Para Ferdinand Porsche, era “o maior piloto do passado, do presente e do futuro”; e Achille Varzi considerava-o “não um mestre, mas um artista da condução”.
Além do Cisitalia 202 Spider Mille Miglia dos anos 40, que ficou conhecido como 202 MM Nuvolari, o italiano foi homenageado mais duas vezes por fabricantes que usufruíram do seu enorme talento. A Alfa Romeo, com o concept Nuvola de 1996, e a Audi, com o estudo Nuvolari de 2003.
Com a saúde debilitada e uma paralisia do lado esquerdo da face, Tazio Nuvolari manteve-se em casa em seus últimos dias. Dizia aos amigos: “Eu, que podia dominar qualquer carro, fui incapaz de controlar o meu próprio corpo”. Faleceu no dia 11 de Agosto de 1953, aos 61 anos, na sua cama, não ao volante de um automóvel (como ele desejava), como esteve tão perto de acontecer por inúmeras vezes ao longo da sua notável carreira de piloto profissional.
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